domingo, 9 de março de 2008

Fio da Navalha

Se eu fosse uma navalha,
te cortaria em mil pedaços.
Começaria pelos braços,
numa tentativa absurda de cura.

Com minha lâmina vencedora,
verdadeira desbravadora,
tentaria decepar as tuas lembranças,
tratando de eliminar as esperanças
de uma fuga preliminar.

Contemplando minha magia,
de nada adiantaria,
suplicar, chorar ou gritar,
pois como tu bem sabe:
irei te cortar.

Tocar, retocar, manchar.
Costurar, rasgar e remendar.
Suturar, dilacerar e amar.

Ao som da verdadeira sinfonia,
que promove a sangria
do teu coração.

Corto virilhas, ervilhas, pélvis e mamilos.
Glúteos, pulsos, tornozelos e pesadelos.
Narizes, orelhas, dedos e medos.

 Minha especialidade?

Saborosa língua mal passada.
O filé mignon da meia tarde.

O vespertino é meu cúmplice.
A madrugada, minha sócia.

Ela conduz meu caminhar
nas íngrimes ladeiras,
das quais tiro proveito
do ar rarefeito.

Olho ao redor...
fim de tarde.
Ministérios do terror.

Executivo tratante,
Legislativo farsante
e Judiciário errante.

Viaturas, diligências, inteligências.
Entre outras ências, minhas carências.
 
Por isso, uma certeza:
não vou me entregar.

Antes da fuga, uma recordação...
o fluxo laminar invade meu coração...

Com ele, trago lembranças
de três crianças:

um pai,
um abuso,
três assombros.

Vai - corre, tenta escapar.
Vai - sonha, tenta acordar.
Vai - mata, tenta culpar.

Sai, foge, esconde.
Cria, adapta, maltrata
Pede, escreve e declara.

Na cara e na moral,
pura jura banal,
carta confessional
de um marginal.

Que vive a margem
da pior pastagem,
comendo serragem
do joio de trigo,
meu pior castigo.

Matei, cortei.
Vinguei, o rei.
Eu fiz, eu sei.
Não, não negarei.

Nas velhas gavetas
escondo lâminas e ladrilhos
que refletem os terrorismos,
verdadeiros lirismos.

Testemunhas oculares de um fim de tarde.

Gaveta sem chave.
Navalha sem dono.
Sentimentos à deriva.

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